Caso Clinico Quando as comorbidades psiquiátricas se somam no paciente idoso – Dr. Luiz Dieckmann CRM 133853-SP 

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INTRODUÇÃO

A depressão e o transtorno de ansiedade generalizada (TAG) são condições psiquiátricas comuns, inclusive na população geriátrica, podendo afetar significativamente a qualidade de vida e a funcionalidade desses indivíduos (1). O tratamento farmacológico dessas comorbidades pode se tornar um desafio, especialmente em pacientes com histórico de dependência alcoólica e com alterações na função hepática (2). Este caso clínico descreve o manejo bem-sucedido de um paciente idoso com depressão moderada e TAG comórbido, em uso de venlafaxina e que obteve remissão do quadro ansioso comórbido após associação de pregabalina.

CONFIRA O PODCAST COM O DR. LUIZ DIECKMANN

identificação

Paciente M.S., 78 anos, sexo masculino, nível superior completo, aposentado, ex-bancário, viúvo há 10 anos, 1 filho, católico não praticante.

Antecedente pessoal de dependência alcoólica e função hepática levemente alterada.

Queixa e duração

Me sinto mal o tempo inteiro há mais de 10 anos, quando não estou triste, estou preocupado com alguma coisa e não consigo parar de pensar naquilo…

História Pregressa da Moléstia Atual

M.S. apresentava um quadro de depressão moderada, com sintomas como tristeza persistente, perda de interesse em atividades prazerosas, fadiga, insônia e alterações no apetite (3) há mais de 10 anos, desde a perda da esposa por um CA de mama. Além disso, o paciente manifestava sintomas de TAG, como preocupação excessiva, dificuldade de concentração, irritabilidade e tensão muscular (4) com uma duração difícil de precisar, talvez há mais de 2 décadas pelo relato de seu filho, presente na consulta. O paciente estava em uso de venlafaxina 225 mg por dia, um inibidor seletivo da recaptação de serotonina e noradrenalina (ISRSN) prescrito por seu geriatra, sem apresentar remissão dos sintomas (5), mas com uma melhora de cerca de 60% dos sintomas, que por muitos anos fazia com que o paciente e seu filho considerassem efetivo o tratamento. Nunca havia feito tratamento com psiquiatra.

Antecedentes Pessoais

M.S. tinha histórico de dependência alcoólica há mais de 20 anos, com múltiplas tentativas de tratamento não especializados e tentativas de abstinência. Atualmente, o paciente encontrava-se em abstinência há 1 ano, frequentando um grupo de apoio (AA). Além disso, apresentava função hepática levemente alterada, com exames laboratoriais mostrando elevação de alanina aminotransferase (ALT) e aspartato aminotransferase (AST) (6), atualmente em menos de 3 vezes o nível de referência do laboratório, em acompanhamento com colega gastroenterologista clínico.

Exame Físico e Complementar

O exame físico do paciente não apresentou alterações significativas, com sinais vitais estáveis. Os exames laboratoriais mostraram leucócitos, hemoglobina, plaquetas e função renal dentro dos limites da normalidade. Os níveis de ALT e AST estavam levemente elevados (7) com AST de 72 e ALT de 58.

Tratamento e Evolução

Diante do quadro clínico e da falta de resposta satisfatória à venlafaxina, optou-se por adicionar pregabalina 300 mg por dia, com subida lenta e progressiva da dose, ao tratamento do paciente (8). Iniciei o tratamento com 50 mg no período da noite e fiz subida de 50 mg a cada 4 dias, com dose alvo inicial de 150mg e nova consulta. Foi avaliado em 3 semanas de uso de 150mg/dia de pregabalina (50 pela manhã e 100 mg a noite), com boa tolerabilidade e resposta parcial de melhora dos sintomas ansiosos. Fiz o aumento progressivo para 300 mg, também com subida de 50 mg a cada 4 dias e avaliação de possíveis efeitos adversos (10). A pregabalina, um gabapentinóide, análogo do ácido gama-aminobutírico (GABA), tem sido utilizada no tratamento de transtornos de ansiedade e dor neuropática, com boa tolerabilidade e perfil de segurança (9).

 

Durante o período de titulação, o paciente foi monitorado quanto a possíveis efeitos colaterais e interações medicamentosas.

 

Após aproximadamente 4 semanas de tratamento na dose de 300 mg, M.S. apresentou melhora significativa dos sintomas depressivos e ansiosos, conforme avaliação clínica e escalas específicas, como a Escala de Depressão Geriátrica (GDS) e a Escala de Ansiedade de Hamilton (HAM-A). (11, 12, 14) (Gráfico 1)


Gráfico 1 – Evolução dos escores GDS e HAM-A ao longo do tratamento com venlafaxina e pregabalina.

A tabela 1 apresenta os parâmetros laboratoriais do paciente ao longo do tratamento, incluindo os níveis de ALT e AST. O paciente não apresentou efeitos colaterais significativos e a função hepática se manteve estável durante o tratamento com pregabalina, como era de se esperar, por não ter metabolismo hepático (13,15).

Tabela 1: Evolução temporal dos exames laboratoriais do paciente

Observa-se que, ao longo do tempo, os níveis de ALT e AST apresentaram uma leve redução, mas ainda permaneceram levemente elevados em relação aos valores de referência. Os demais parâmetros laboratoriais se mantiveram estáveis e dentro dos limites da normalidade.

É importante destacar que o acompanhamento dos exames laboratoriais é essencial durante o tratamento farmacológico de pacientes idosos, especialmente aqueles com comorbidades e em uso de múltiplas medicações (20). A função hepática, em particular, deve ser monitorada em pacientes com histórico de dependência alcoólica, uma vez que o consumo excessivo de álcool pode levar a alterações hepáticas (6).

Discussão

Este caso clínico ilustra o manejo de um paciente idoso com depressão moderada e TAG comórbida, em uso de venlafaxina, que obteve melhora significativa dos sintomas após associação de pregabalina. A pregabalina tem sido demonstrada como uma opção eficaz e segura no tratamento de transtornos de ansiedade e dor neuropática, com benefícios adicionais no tratamento de sintomas depressivos, mesmo que modestos (16).

 

A presença de comorbidades, como a dependência alcoólica e a função hepática levemente alterada, representa um desafio no manejo farmacológico de pacientes idosos (17). No caso de M.S., a adição de pregabalina ao tratamento não resultou em efeitos colaterais significativos nem em piora da função hepática, demonstrando-se uma estratégia segura e eficaz (18).

No caso do paciente em questão, a estabilidade dos parâmetros laboratoriais e a melhora progressiva dos sintomas depressivos e ansiosos durante o tratamento com venlafaxina e pregabalina indicam que a abordagem terapêutica foi bem-sucedida. A monitorização clínica e laboratorial contínua permitiu a identificação de possíveis efeitos adversos e a otimização da farmacoterapia (19).

A abordagem terapêutica individualizada e a monitorização clínica e laboratorial do paciente ao longo do tratamento foram fundamentais para alcançar uma resposta satisfatória e garantir a segurança do tratamento (19). A escolha de medicamentos com perfil de segurança adequado e menor potencial de interações medicamentosas é crucial em pacientes idosos com comorbidades e polifarmácia (20).

Além disso, a inclusão de um acompanhamento psicoterápico e de intervenções no estilo de vida pode contribuir para uma abordagem mais abrangente no manejo da depressão e do transtorno de ansiedade generalizada (25). A prática de exercícios físicos, a adoção de uma alimentação saudável e o estabelecimento de uma rotina de sono adequada são exemplos de medidas que podem auxiliar no controle dos sintomas e na melhora da qualidade de vida do paciente.

Conclusão

O presente caso clínico destaca a importância de uma abordagem terapêutica individualizada e do uso criterioso de medicações em pacientes idosos com comorbidades psiquiátricas e médicas. A associação de pregabalina à venlafaxina se mostrou eficaz e segura no tratamento da depressão moderada e TAG comórbida em um paciente idoso com histórico de dependência alcoólica e função hepática levemente alterada.

 

A pregabalina é um medicamento que atua como um agonista seletivo do receptor de ácido gama-aminobutírico tipo A (GABA-A) e do receptor de cálcio alfa-2-delta. O mecanismo exato de ação da pregabalina ainda não é completamente compreendido, mas acredita-se que sua atividade se dê por meio de sua capacidade de modular a liberação de neurotransmissores excitatórios. (23)

 

Os receptores de GABA-A são ligados a canais iônicos de cloreto, cuja ativação leva à hiperpolarização da membrana celular e à diminuição da excitação neuronal. Por sua vez, a ligação da pregabalina ao receptor de cálcio alfa-2-delta reduz a entrada de cálcio nas terminações nervosas, reduzindo a liberação de neurotransmissores excitatórios. (23)

 

Essa ação sinérgica da pregabalina nos receptores de GABA-A e de cálcio alfa-2-delta leva à redução da liberação de glutamato e substância P, neurotransmissores envolvidos na dor crônica, na ansiedade e na convulsão. Portanto, a pregabalina é usada clinicamente no tratamento de várias condições, incluindo dor neuropática, transtornos de ansiedade generalizada e transtornos convulsivos. (21-24)

 

Quanto à parte técnica, a pregabalina é administrada por via oral e sua absorção é rápida e completa, com pico de concentração plasmática em cerca de uma hora após a ingestão. A biodisponibilidade da pregabalina é de aproximadamente 90% e sua ligação às proteínas plasmáticas é insignificante.  (23)

A dose da pregabalina deve ser ajustada de acordo com a condição clínica do paciente, idade, função renal e outros fatores individuais. Apesar de geralmente bem tolerada, efeitos colaterais iniciais podem incluir sonolência, tontura, boca seca e aumento de peso.(23)

Em conclusão, o monitoramento dos exames laboratoriais e a atenção ao perfil de segurança das medicações utilizadas são aspectos fundamentais no tratamento de pacientes idosos com comorbidades psiquiátricas e médicas. A abordagem terapêutica individualizada e a adoção de estratégias multidisciplinares podem otimizar o manejo da depressão e do transtorno de ansiedade generalizada nesse grupo de pacientes.

Referências Bibliográficas

1- Weyerer S, Eifflaender-Gorfer S, Köhler L, et al. Prevalence and risk factors for depression in non-demented primary care attenders aged 75 years and older. J Affect Disord. 2008;111(2-3):153-63.

2- Schuckit MA. Comorbidity between substance use disorders and psychiatric conditions. Addiction. 2006;101 Suppl 1:76-88.

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4 – Bandelow B, Baldwin DS, Dolberg OT, Andersen HF, Stein DJ. What is the threshold for symptomatic response and remission for major depressive disorder, panic disorder, social anxiety disorder, and generalized anxiety disorder? J Clin Psychiatry. 2006;67(9):1428-34.

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23- Gidal, B. E., Radulovic, L. L., & Kruger, S. (2005). Pregabalin pharmacology and its relevance to clinical practice. Clinical pharmacokinetics, 44(9), 875-894.

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25 – Cuijpers P, Berking M, Andersson G, Quigley L, Kleiboer A, Dobson KS. A meta-analysis of cognitive-behavioural therapy for adult depression, alone and in comparison with other treatments. Can J Psychiatry. 2013;58(7):376-85.


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